sábado, 28 de fevereiro de 2015

Ode aos mendigos


São antropólogos de raiz, observadores da desumanidade, guerreiros, filósofos do fundo do poço, profundos pesquisadores da ciência do Safo. Vítimas do engano alheio, pontuais companheiros do nascente, amigos da lua e dos animais. Camaleões camuflados na hipocrisia, metropolitanos invisíveis, curadores da arte que ninguém quer expor. São fotógrafos da verdade sem máscara, esculturas de lama cobertas de jornais, notícias tristes de si, que nem ao menos sabem ler. Tocadores de pandeiro, ex-pedreiros, ex-prostitutas, ex-presidiários, ex-advogados de Deus. São eles os verdadeiros patriotas de um país sem ordem, que progride para o seu chão. São fiéis da calçada da igreja, sobreviventes do amanhecer urbano e voraz. Uma lasca de bolacha, um trapo de lençol: suas mansões imaginárias, jardins de suas crias catarrentas, banquetes de matar uma fome sem fim. São loucos poetas alucinados, presidentes da república, técnicos de futebol, perigosos pistoleiros, cangaceiros do sertão. Tristes cobertos pelo frio da alma, cortados pela navalha da desesperança. São velhos, crianças sem idade, ladrões de um pedaço de dignidade, de um sobejo de copo, de um pedaço de pão. Atores de sucesso no palco do mundo, da platéia mais imunda chamada de Nós. Somos nós os verdadeiros aleijados, coitados, sujos e sem futuro. Somos nós os cegos da praça, os pais da desgraça, os verdadeiros vilões. São eles – o bom espelho – para nos enxergarmos e tentarmos levantar nossa moral vadia, com suas lições de vida, de morte e de sorte. Somos nós os verdadeiros pobres coitados, sempre em busca de um abrigo seguro, fugitivos da chuva, fugitivos do medo, fugitivos de nós mesmos. Somos nós os roteiristas, dramaturgos, criadores de cenas para o mendigo atuar.

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